Assumindo responsabilidades

O doloroso Despertar após viver no piloto automático.

Marcel Silva Gervásio
The Halo

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Eu nunca fiz questão de estar aqui
Muito menos participar
E ainda acho que o meu cotidiano
Vai me largar

Um dia eu vou morrer
Um dia eu chego lá
E eu sei que o piloto automático
Vai me levar

Supercombo. Piloto Automático.

Semana retrasada eu me encontrei com uma amiga e passamos a tarde conversando sobre uma série de coisas que só foram ecoar dentro de mim uns dias mais tarde. Como é normal nos nossos encontros, a conversa fluía dos memes do Twitter para a questão climática — meu tema favorito — em questão de minutos.

Tivemos uma discussão sobre o futuro da Netflix, uma alfinetada aqui e ali sobre a relação que cada um tem com carros para enfim entrarmos no sombrio tema “FUTURO”. Minha amiga em particular terminou o curso de marketing digital, mas não tem muita certeza se é boa. Ela já trabalha numa área fora de sua formação e ainda assim tem a impressão de se sentir perdida em relação ao futuro.

Já eu aparento saber o que eu estou tentando fazer com a minha vida, foi pelo menos o saldo que tirei da conversa. Para ela, eu sei que caminho seguir, mas não tenho o investimento necessário para tirar muitas das minhas ideias do papel.

E de certa medida eu até concordo, mas desde então existe uma sensação crescente dentro de mim dizendo que não é só por isso que as coisas podem estar mais lentas na minha vida e eu me vi obrigado a encarar uma série de escolhas que tomei nos últimos anos e assumir a responsabilidade por elas de uma vez por todas.

A farsa da força (ou da vocação).

Eu assisti ao novo filme do Doutor Estranho no fim de semana e tenho opiniões. O filme é divertido e graças a direção de Sam Raimi traz um certo frescor para fórmula desgastada do estúdio.

O arco da Feiticeira Escarlate é basicamente uma repetição de WandaVision, a anti-heroína comete os mesmos erros da minissérie, dessa vez com a desculpa da influência de um livro maligno. Na minha opinião, a conclusão do filme é um final triste para uma personagem overpower que a Marvel já tinha dado indícios de não saber o que fazer com ela narrativamente.

Críticas cinemáticas à parte, eu até gosto da forma que trabalham algumas questões da personagem. Seja em Doutor Estanho ou em WandaVision, a Wanda se agarra em ilusões criadas por ela mesma para não ser obrigada a lidar com a própria dor. E infelizmente eu posso ter feito coisas parecidas ao longo desses anos.

Eu não fiz nada drástico como sequestrar uma adolescente ou escravizar uma cidade inteira para não ser obrigado a lidar com meu luto. De uma maneira menos mágica, eu entrei diversas vezes numa espécie de piloto automático emocional e existencial para lidar com momentos difíceis da minha realidade e tem sido difícil abrir mão e encarar o estrago que tudo isso causou em mim.

Autonomia não é algo que todos nós experimentamos na infância e quando passamos pela adolescência é normal que muitos de nós se afaste dos responsáveis por nossa criação. Esses anos da minha vida foram o que poderia classificar como atípicos e deixaram marcas dentro de mim que por muito tempo eu me vi incapaz de encarar.

Eu poderia enumerar uma série de acontecimentos da minha vida que me moldaram da forma que sou, mas existe um momento na vida em que nós paramos de dizer que nossa criação nos ferrou para entender que algumas coisas são escolhas nossas e algumas escolhas que poderiam ter sido tomadas foram ignoradas por mim.

Foi difícil entender que meus medos ou minha tendência ao isolamento foi algo adquirido com o tempo e não são traços da minha personalidade, mas que por muito tempo eu usei como desculpa para não participar da minha vida de verdade.

Junte isso com problemas familiares que me atravessaram por muitos anos e você tem um adulto disfuncional por se sentir preso a um sonho infantil. A arte que para muitos é a ferramenta usada para passar por esses momentos sombrios foi usada por mim para permanecer neles e nunca avançar de verdade.

Minha relação com a escrita existe desde a infância, ainda me lembro que a primeira história que escrevi foi uma “fanfic” de Harry Potter — se você me perguntar, negarei com todas as forças que eu me apaixonei pela escrita por causa da J. K. Rowling — e criar história sempre me fez sentir que um dia eu conseguiria tomar as rédeas da minha vida e que tudo ficaria bem no fim.

Alguma coisa não deu certo no meio do caminho e eu passei anos me negando ao direito de tentar de verdade enquanto eu passava a impressão de estar tentando. Talvez pela confusão que esses anos são na vida de qualquer pessoa, ou pelo medo de não ser bom o suficiente eu sempre escolhia o caminho mais difícil, mais tortuoso que no fundo eu sabia que não daria certo eu poderia me agarrar a ideia que a culpa do meu fracasso vinha da falta de apoio dos meus pais.

Muita das minhas decisões estupidas foram feitas de forma inconsciente é claro, a nossa mente é poderosa demais e muito eficiente em criar ilusões que nos prendem em personagens que travam a nossa vida.

Primeiro o filho prestativo e silencioso, depois o neto perfeito e promissor. Sempre foi mais fácil seguir os papeis e nunca lidar com as minhas vontades do que encarar a vida de verdade, até a se vida se impôs.

Elefantes e cangurus.

Um ano e dez meses. Esse é o tempo que dura a gestação de um elefante, a mais longa entre os mamíferos. As espécies inteligentes de vida longa costumam ter gestações mais prolongadas, o que permite bastante tempo para o desenvolvimento fetal.

Eu sinto que estou num longo período de parto faz seis anos, desde que eu perdi a minha vó. Não quero me comparar com um elefante e me classificar como um animal inteligente, na verdade não sei o que eu quero fazer com essa informação, lide com ela como uma pequena trivia, minha mente faz isso quando quer evitar um assunto doloroso e está sendo muito difícil colocar tudo isso em palavras.

Faz seis anos que tento entender quem eu sou de verdade e não tem se tornado mais fácil. Eu já desisti de viver, já odiei existir e culpei minha família por existir. E no fim eu sempre escolho continuar a existir.

Esse texto não tem uma conclusão, é mais um desabafo que eu precisava faz um tempo. Tem sido um caminho longo, tortuoso e dolorido lutar contra meus medos. É cansativo não se deixar levar pela corrente, tudo isso demanda muita energia. Eu não sei por quanto tempo mais vou continuar nesse trabalho de parto e talvez essa sensação de inadequação nunca acabe, talvez seja esse o meu motor de vida.

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Marcel Silva Gervásio
The Halo

A Brazilian guy trying to be a good writer (Escritor em formação).